O Amor é irracional, quanto mais você ama alguém, menos tudo faz sentido!

domingo, 15 de maio de 2011

Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.

Vinícius de Moraes

       ♫
Música do dia _ Imbranato - Tiziano Ferro

O Amor de Colombina

Uma voz que canta se aproxima.


A VOZ:

Esse olhar deu-me o desejo daquele beijo encontrar, mas nunca , reunidas, vejo a volúpia desse beijo e a tristeza desse olhar!




PIERROT , extasiado:

Escutaste, Arlequim, que cantiga tão bela?




ARLEQUIM:

Era dela esta voz?




PIERROT:

Esta voz era dela...




Arlequim está imerso na sombra e um raio de luar ilumina Pierrot. Entra Colombina trazendo uma braçada de flores.




COLOMBINA, vendo Pierrot:

Tu? Que fazes aqui?




PIERROT:

Espero-te, divina... A sorte de um Pierrot é esperar Colombina!




COLOMBINA:

Pela terra florida, olhos cheios de pranto, eu procurei-te muito...




PIERROT:

E eu esperei-te tanto!




COLOMBINA:

Onde estavas, Pierrot? Entre as balsas amigas, tendo no peito um sonho e no lábio cantigas, dizia a cada flor: “Mimosa flor, não viste um Pierrot muito branco...”




PIERROT:

Um Pierrot muito triste...




COLOMBINA:

E respondia a flor: “Sei lá... Nestas campinas passam tantos Pierrots atrás de Colombinas...” E eu seguia e indagava: “Ó regato risonho: não viste, por acaso, o Pierrot do meu sonho? “ E o regato correndo e cantando, dizia: “Coro e canto e não vejo” - e cantava e corria... Nos céus, erguendo o olhar, eu via, esguio e doente, o pálido Pierrot recurvo do crescente... Assim te procurei, entre as balsas amigas, tendo no peito um sonho e no lábio cantigas, só porque, meu amor, uma noite, num banco, eu encontrara olhar de um triste Pierrot branco.




PIERROT:

Não! Não era um olhar! Ardia nessa chama toda a angústia interior do meu peito que te ama. Nosso corpo é tal qual uma torre fechada onde sonha , em seu bojo, uma alma encarcerada. Mas se o corpo é essa torre em carne e sangue erguida, o olhar é uma janela aberta para a vida, e, na noite de cisma, enevoada e calma, na janela do olhar se debruça nossa alma.




COLOMBINA, languidamente abraçada a Pierrot:

 Olha-me assim, Pierrot... Nada mais belo existe que um Pierrot muito branco e um olhar muito triste... Os teus olhos, Pierrot, são lindos como um verso. Minh’alma é uma criança, e teus olhos um berço com cadências de vaga e, à luz do teu olhar, tenho ânsias de dormir, para poder sonhar! Olha-me assim, Pierrot... Os teus olhos dardejam! São dois lábios de luz que as pupilas me beijam... São dois lagos azuis à luz clara do luar... São dois raios de sol prestes a agonizar... Olha-me assim Pierrot... Goza a felicidade de poluir com esse olhar a minha mocidade aberta para ti como uma grande flor, meu amor...meu amor...meu amor...




PIERROT:

Meu amor!




Colombina e Pierrot abraçam-se ternamente. Há, como um cicio de beijos, entre os canteiros dos lírios. Arlequim, vendo-os, sai da treva e, com voz firme, chama.




ARLEQUIM:

Colombina!



COLOMBINA, voltando-se assustada:
 Quem é?


ARLEQUIM:

Sou alguém, cuja sina foi amar, com Pierrot, a mesma Colombina. Alguém que, num jardim, teve o sublime ensejo de beijar-te e jamais se esquecer desse beijo!




COLOMBINA, desprendendo-se de Pierrot:

Tu, querido Arlequim!




ARLEQUIM, galanteador:

Arlequim que te adora...Que te buscava há tanto e que te encontra agora.




COLOMBINA:

E procurei-te em vão, mas te esperava ainda.




ARLEQUIM a Pierrot:

Ela está mais mulher...




PIERROT num êxtase:

Ai! Ela está mais linda!




ARLEQUIM, enfatuado, a Colombina:

És linda, meu amor! Nessa formas perpassa na cadência do Ritmo, a leveza da Graça. Teus braços musicais, curvos como perfídia, têm a graça sensual de uma estátua de Fídias. Não sendo ainda mulher, nem sendo mais criança, encarnas, grande viva, a Flor de Liz de França...

Sobe da anca uma curva ondulante que chega a teu corpo plasmar como uma ânfora grega e é teu vulto triunfal, longo, heráldico, esgalgo, coleante como um cisne e esbelto como um galgo!



COLOMBINA, fascinada:

Lindo!




ARLEQUIM:

E não disse tudo... E não disse do riso boêmio como ébrio e claro como um guizo. E ainda não falei dessa voz de sereia que, quando chora, canta, e quando ri, gorjeia... Não falei desse olhar cheio de magnetismo, que fulge como um astro e atrai como um abismo, e do beijo, que como uma carícia louca... ainda canta em meu lábio e ainda sinto na boca!




COLOMBINA com um voz sombria de volúpia:

Fala mais, Arlequim! Tua voz quente e langue tem lascivo sabor de pecado e de sangue. O venenoso amor que tua boca expele, põe-me gritos na carne e arrepios na pele! Fala mais, Arlequim! Quando te escuto, sinto o desejo explodir das potências do instinto, o brado da volúpia insopitada, a fúria, do prazer latejando em uivos de luxúria! Fala mais, Arlequim! Diz o ardor que enlouquece a amada que se toca e aos poucos desfalece, e que, cega de amor, lábio exangue, olhar pasmo, agoniza num beijo e morre num espasmo. Fala mais, Arlequim! Do monstruoso transporte que, resumindo a vida, anseia pela morte, dessa angústia fatal, que é o supremo prazer da glória de se amar, para depois morrer!




PIERROT, num soluço:

Ai de mim!...





COLOMBINA, como desperta:

Tu Pierrot!




PIERROT, num fio de voz:

Ai de mim que, tristonho, trazia à tua vida a oferta do meu sonho... Pouca coisa, porém... Uma alma ardente e inquieta arrastando na terra um coração de poeta. Na velha Ásia, a Jesus, em Belém, um Rei Mago, não tendo outro partiu através de Cartago, atravessando a Síria, o Mar Morto infinito, a ruiva e adusta Líbia, o mudo e fulvo Egito, as várzeas de Gisej, o Hebron fragoso e imenso, só para lhe ofertar uns grânulos de incenso... Também vim, sonhador, pela vida, tristonho, trazer-te o meu amor no incenso do meu sonho.




COLOMBINA com ternura:

Como te amo, Pierrot...




ARLEQUIM:

E a mim, cujo desejo te abriu o coração com a chave do meu beijo? A tua alma era como a Bela Adormecida: o meu beijo a acordou para a glória da vida!




CALOMBINA fascinada:

Como te amo, Arlequim!...




PIERROT, desvairado pelo ciúme, apertando-lhe os pulsos, numa voz estrangulada:


A incerteza que esvoaça desgraça muito mais do que a própria desgraça. Escolhe entre nós dois... Bendiremos os fados sabendo o que é feliz, entre dois desgraçados!




ARLEQUIM:

Dize: Queres-me bem?




PIERROT:

Fala: gostas de mim?




COLOMBINA, hesitante:

A Pierrot: Eu amo-te , Pierrot... A Arlequim: ... Desejo-te, Arlequim...




ARLEQUIM, soturnamente:

A vida é singular! Bem ridícula, em suma... Uma só, ama dois... e dois amam só uma!..




COLOMBINA , sorrindo e tomando ambos pela mão:

Não! Não me compreendeis... Ouvi, atentos, pois meu amor se compõe do amor de todos dois... Hesitante, entre vós, o coração balanço: A Arlequim: O teu beijo é tão quente... A Pierrot: O teu sonho é tão manso... Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando a Arlequim meu corpo e a Pierrot a minh’alma! Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho, pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho! Nessa duplicidade o amor todo se encerra: um me fala do céu... outro fala da terra! Eu amo, porque amar é variar, e em verdade toda a razão do amor está na variedade... Penso que morreria o desejo da gente, se Arlequim e Pierrot fossem um ser somente, porque a história do amor pode escrever-se assim:




PIERROT:

Um sonho de Pierrot...




ARLEQUIM:

E um beijo de Arlequim!



Menotti del Picchia